quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Personagem

Era uma figura alta. Ressalto, esta é a memória de uma adolescente de um metro e meio, portanto, o "alto" pode ser um metro e setenta. Alta e forte. De ombros largos. Ossos fortes. Não era o tipo de pessoa que passa "de ladinho" em lugares apertados. Não. Aquele personagem não cabia. Era preciso realmente abrir espaço pra ele (ou ela) passar. Certa vez, o cobrador do ônibus disse que era um homem. E que tinha uma doença que ia deformando o rosto. Não prestei muita atenção, porque novamente, estava viajando com a imagem do personagem. Chamo de personagem simplesmente por não saber o sexo, não saber o nome, não saber nada sobre aquela pessoa. Sei apenas do impacto que a presença dela causava na minha mente. Ela estava sempre maquiada. Não é maquiada com rímel, base e essas coisas. Era maquiagem forte, daquelas de circo. Pó extremamente branco no rosto todo. A área dos olhos bem marcada com preto, até a maçã do rosto. As maçãs do rosto, sempre destacadas com uma bolinha rosinha cada uma. Os lábios, envoltos em preto desde a base do nariz até o queixo, e num vermelho escarlate brilhante. Ou então, os lábios em preto, com o rosto todo branco. Eu sempre me calava quando ela entrava. E era tomada por pensamentos que não se calavam: será que é ator de circo? será que vai trabalhar em alguma creche? será que tem vergonha do rosto que tem? será que não quer ser reconhecido? será que é uma doença mesmo? será que faz essa maquiagem todo dia? será que faz a maquiagem sozinha? será que...?? E eram infinitos esses "será que". Cessavam apenas quando algum amigo me chamava de volta à bagunça da turma. Mas hoje, pensando nisso (e nem sei exatamente o motivo desta memória ter aparecido), notei que aprendi bastante com aquela presença. Muda. Porque aquela presença me impactava sempre. Notei olhares tristes. Notei olhares vazios. Notei olhares irritados pelos olhares que eram só dela. Notei a indiferença das pessoas diante de algo tão diferente! Notei, acima de tudo, mais forte do que outra coisa qualquer, que a grande maioria das pessoas com quem convivemos, não sabe de nossas histórias, de nossas lutas, de nossas derrotas, de nossas angústias, de nossas alegrias. E que, ainda assim, mesmo quando causamos algum tipo de impacto na vida delas, insistem em julgar antes de se mostrarem compreensivos. Simplesmente porque o nosso personagem, parece não se encaixar no enredo que elas acham, ser o ideal.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Meu pai

Meu pai está saindo do trabalho e ligou pedindo pra irmos buscá-lo no metrô. Chegamos, estacionamos o carro e viemos até às catracas. Tem tanta gente indo e vindo. Tem gente com cara de cansada. Tem gente apressada. Gente mal-educada. Tem gente que canta andando e uns que andam dançando. Tem gente falando no celular, gente usando tênis velho e gente de salto alto. Tem bastante gente que vem e vai sozinho e uns casaizinhos. Tem vó com neto e neto com vó. Tem gente que manca, gente de bengala e cadeira de rodas. Tem bastante gente de óculos. Tem gente carregando bebê e suas infinitas bolsas. Tem gente que não pára de comer. Tem gente lendo, gente estudando e gente namorando. Tem gente brigando também. Tem gente que fala sozinho. Tem gente de terno e tênis, terno e mochila e boné. E olha! Lá vem o meu pai no meio dessa gente toda! Tem gente passando na frente dele, gente empurrando, mas olha, gente! É o meu pai! Eu não conheço o sapato dele, mas sei o jeito dele andar. Não sei a marca da camisa dele, mas sei que ele sempre põe tanta coisa no bolso que fica até engraçado. Tem tanta gente de calça de terno, mas quase ninguém usa a barra da calça como ele gosta. Tem tanta gente aqui mas só ele sorri quando me vê. Com tanta gente indo e vindo e é só o abraço dele que eu espero! Tomara que esse monte de gente tenha um pai como o meu!

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Será que pode?

Onde começa a individualidade e onde começa a possibilidade de postar tudo instantaneamente na rede? Sua liberdade de expressão oprime a minha decisão de me expor, e isso pode? Onde termina a hipocrisia nessa atualidade tão virtual? Como fica a educação das crianças quando tudo é permitido na sociedade? Como as crianças diferenciarão o que realmente podem fazer do que as pessoas dizem que elas podem fazer? A distância entre a realidade e o mundo virtual é tão pequena que se confunde. As pessoas têm mais coragem online e se escondem na vida real. Os movimentos online são incontáveis... e na vida real... tudo continua na mesma, ou até mesmo, piorando. As vidas reais estão tão monótonas e vazias que é preciso postar "check-in em Starbucks near the Office". As amizades são tão virtuais que os smartphones tomaram o lugar do silêncio das nossas mentes. Tomaram aquele tempo que as pessoas usavam pra pensar em suas vidas, em como fariam para concluir suas tarefas do dia, em como surpreender as pessoas amadas, em coisas em que é preciso pensar de vez em quando. A proximidade que a tecnologia poderia trazer está transformada em distância. Uma distância segura. Segura o suficiente pra que não seja necessário interagir pessoalmente com ninguém. Mas uma distância que fere, porque promove a solidão, o egocentrismo cada vez mais enraizado e consentido. E o egoísmo que move a indelicadeza de não mais largarem os smartphones durante uma conversa com pessoas reais, de verdade, ali, sentadas frente à frente! Ah... isso está tão comum! Onde começa a individualidade e onde começa a possibilidade de postar tudo instantaneamente na rede? Sua liberdade de expressão oprime a minha decisão de me expor, e isso pode? Será que pode mesmo, o seu espaço invadir o meu? Será que pode mesmo?

segunda-feira, 8 de abril de 2013

De novo....

Sinto saudades de muita gente. Gente que só passou pela minha vida, pra alguma lição rápida. Mas que aprendi, antes ou depois que as pessoas tivessem "sumido", aprendi. Gente que "nasceu" comigo em idéias, ideais, vontades e sonhos de criança. Gente que me viu nascer e que, por enquanto, não posso mais abraçar. Nem olhar no olhar. Nem ligar só pra perguntar: "tá tudo bem?". Gente que andou ao meu lado, compartilhou de minhas idéias, mas que os caminhos trataram de deixar longe por um tempo. Volta e meia, me pergunto secretamente: será que ainda vamos nos reencontrar? Gente que some e aparece. Estes dependem da lua, dos ventos, das correrias todas dessa nossa vida. Mas o que mais admiro é que eles reaparecem, sem que eu precise procurá-los. O que me dá uma sensação de carinho tão grande... Gente que ainda nem conheço, mas sinto saudade. Porque tenho tanta coisa aqui dentro que, tenho certeza, tem alguém aí fora que deve ter as mesmas "coisas" que eu. É saudade do velho, do antigo, do novo, do inesperado, do abraço, do silêncio, do turbilhão de emoções que sempre teremos a compartilhar. É só saudade. De novo.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Responsabilidade

"- Bom dia!" Logo pela manhã, com o céu azulzinho... me levantei e tomei meu banho. Um banho rápido, como minha mãe me ensinou a tomar. Não por pressa, nem por não termos água. Aliás, justamente, para que sempre tivéssemos água. Não, não nasci nem cresci no sertão brasileiro. Nasci e cresci em São Paulo mesmo, capital. Passamos por alguns racionamentos de água na década de 90, mas nada que o restante da população também não tenha passado. Minha infância foi farta. Agradeço sempre aos meus pais e amigos que me permitiram isso. Foi farta de comida (graças a Deus), foi farta de educação, foi farta de alegria. Nunca me faltou nada. Meus pais não são ricos e nem têm um saldo gigantesco no banco, apenas nunca permitiram que eu pensasse que estava me faltando alguma coisa. Cobriram-me com a educação do "bom dia-obrigada-com licença-desculpe-por favor". Guiaram-me pelo caminho do respeito ao próximo. E foram espetaculares ao me mostrar a "consciência". Coloquei o termo entre aspas porque não me refiro à consciência da mente, aquela completamente filosófica. Meus pais foram espetaculares porque me mostraram a consciência prática. O banho rápido que tomo hoje, é herança do banho "objetivo" que minha mãe me ensinou a tomar. Nada de ficar minutos infindáveis debaixo da água, até encontrar a esponja de banho, mais minutos infindáveis, até encontrar os itens de higiene e aplicá-los ao corpo. Claro que um banho desses de ficar ali, só sentindo a água acalmando os músculos, faz um bem gigante. Mas é de vez em quando. Porque é de vez em quando que estamos estressados. E é sempre que precisamos tomar banho. Portanto, sejamos objetivos. O banho serve para higienizar o corpo: higienizemos o corpo, então! Quando digo que meus pais nunca me permitiram pensar que estava me faltando algo é por causa dessa consciência prática que me deram. Sempre tivemos muito mais água do que muita gente, mas sabíamos que era preciso usar conscientemente, para que nunca nos faltasse. Sempre tivemos o luxo de sempre ter um carro na garagem, mas não o usamos para ir à padaria da esquina comprar pão. Porque sabemos da poluição ambiental TODA que um carro causa. É consciência responsável. E prática. Meus pais me ensinaram a usar o que temos de forma responsável. Nunca fomos usados pelo que temos, como vejo acontecer hoje sempre numa escala crescente. Desejo, sinceramente, que meus filhos tenham ainda algum espaço verde para brincarem de subir em árvores, nadar em lagos e riachos. E não me reservo ao luxo de culpar ao governo pura e simplesmente, pela poluição, pelo trânsito, pelo racionamento de água e energia elétrica. Tenho minha parte de responsabilidade. Afinal, se faço parte da sociedade, também faço parte da responsabilidade. Como tantos já escreveram e disseram: sou responsável pela herança que deixo. O transporte público brasileiro não comporta o volume de passageiros? Concordo. Mas a incoerência de uma pessoa por automóvel entupindo o trânsito, enlouquecendo a indústria automobilística e causando os aumentos absurdos de plantação de cana para suprimento de combustível, o "sobe-e-desce" de IPI e facilidade de financiamento para dar uma falsa sensação de poder aquisitivo ao povo também não me passam em branco. O governo precisa fazer a parte dele e nós, a nossa. Vamos deixar o papel de marionetes do governo e vamos aproveitar e viver as nossas vidas. Com consciência de que, o que fazemos hoje, refletirá e, sem dúvida alguma, afetará as vidas de nossos filhos, netos, bisnetos... Continuarei fazendo a minha parte, ensinarei o que puder a quem quiser e terei a consciência tranquila de não ter colaborado tão cruelmente para a poluição e dificuldades que as gerações futuras enfrentarão.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Memória

Não sei recitar poemas. Nunca soube. O mais perto que chego disso, são as letras de música que, por ventura, ainda sei. Não tenho escritor favorito. Nem escritora. Amo as letras. As palavras. As frases, enredos, segredos, entrelinhas e os milhares de pensamentos que me invadem quando leio. E por isso, mesmo que inconscientemente, nunca consegui recitar poemas. Não os memorizo. Não por falta de memória. Mas por... simplesmente por não ver necessidade nisso. Até admiro que o faz. Gosto de ver a interpretação que as pessoas fazem dos poemas que declamam. Vejo ali, a compreensão que deram àquelas palavras. Mas eu, não. Não memorizo. Mesmo dos autores que mais leio. Simplesmente para me permitir ser livre. Mantenho a liberdade de ler o que me der vontade, fugir totalmente do que "sempre li". Mantenho em mim, a liberdade de gostar de algo novo, de descobrir ironias em livros de suspense sem me prender aos fatos políticos que podem ter movido o autor a criar tal cena. Mantenho a liberdade de não me aprofundar nos motivos dos autores para cada linha. Assim, minha interpretação é minha. Sem influência. Sem informação de massa. Leio muito. E a cada dia que se passa, mais ainda amo ler. Mas não serei o tipo de pessoa que recita, declama ou cita frases exatas de um livro lido. Não. Não eu. Pra que minha liberdade não perca a espontaneidade de ir pra prateleira que bem entender dentro de uma biblioteca.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Águas de Março

Enquanto chove
Vendaval e granizo
Surge o sol
Enquanto canta aqui
O beija-flor mirim

Enquanto chove
Lá fora esfria
Sorrio de gratidão
Já esquenta aqui dentro

Chove
Chova bastante
Não fique distante

Chove
Passa

Em breve
Tudo floresce