MADE IN ALMA
Contos, crônicas, narrativas, desabafos e rabiscos mais complexos e tudo mais que é feito na Alma.
quinta-feira, 22 de janeiro de 2015
Cuidado
Quando a gente se doa demais, corre o risco de se anular.
Quando a gente sempre está presente, quando basta um telefonema e já vamos correndo ajudar, quando estamos sempre dispostos, a gente corre o risco de se anular.
Quando o outro é mais importante do que nós mesmos, quando amamos tanto o outro que nos esquecemos de nós, a gente corre o risco de se anular.
E quando a gente percebe isso? Normalmente, quando já passou muito tempo.
Então, a gente começa a tentar retomar nossa vida, nossas vontades, nossos sonhos, nossos desejos.
E as outras partes, as outras pessoas que sempre nos tiveram tão dispostos, tão prontos a ajudar, começam a ouvir os nossos “nãos” e nossas verdadeiras opiniões.
Começamos então, a ouvir coisas como “nossa, você não era assim”, “como você mudou”, “eu te fiz alguma coisa?”.
Porque quando a gente se anula, a gente não se anula só pra gente.
A gente se anula perante o outro também. O outro não nos enxerga, porque não nos valorizamos, não nos atemos às nossas necessidades e vontade.
Quando a gente se anula, o outro não sabe que existimos, não considera nossos sentimentos, apenas nos usa.
Mas quando damos nossas caras, quando nos defendemos e agimos por nós mesmos, o outro lado, o lado que sempre teve tudo o que quis, se incomoda.
E o incômodo indica que, na verdade, o outro nunca enxergou quem somos, só enxergou o que podíamos oferecer.
Quando a gente se anula, de forma sistêmica, regular, permanente, a gente é usado, de forma sistêmica, regular e permanente.
terça-feira, 12 de agosto de 2014
Vai...
Se não tem educação pública decente
Paga os olhos da cara
por uma mais ou menos
"é o melhor que tem pra gente"
Se a saúde pública é vergonhosa
pega fila de horas
marca consulta pro ano que vem
ou paga caro em assistência
que te enrola também
Se a segurança é insegura
ou mesmo inexistente
o negócio é se trancar
não sair mais
deixar de viver
pra se proteger
"continuar vivo é importante
ainda que seja agoniante"
Se o transporte público
é insuficiente
incompetente
financia um carro
em sessenta meses
perde horas por dia
e se acha esperto
Se não tem em quem votar
vota mesmo assim
a gente é obrigado
"mas em quem vou votar?!"
a mesma trupe se reveza
desde que o mundo nasceu
famílias nos tronos
em democracias declaradas
e repressão espalhada
Se não tem em quem votar
vota mesmo assim
a gente é obrigado
"mas em quem vou votar?!"
quem é menos pior
ou desconhecido
ganha chances inesperadas
pelo nosso desespero
pelo nosso desamparo
pelo nosso comodismo
Se não tem em quem votar
vota mesmo assim
a gente é obrigado
ganha cesta básica
e só dá um voto
pra quem passa fome
por que não?
Se não tem em quem votar
vota mesmo assim
a gente é obrigado
é iludido com promessas
discursos bonitos
porque é analfabeto
de pai e de mãe
e de avô e de avó
e de cultura e consciência
Se não tem em quem votar
vota mesmo assim
a gente é obrigado
não pelo Estado
mas pelo dever de tentar
por ainda acreditar
que temos o poder
que podemos mudar
Não tá certo
a gente sabe
a gente vê
mas
"Fazer o quê?"
segunda-feira, 14 de abril de 2014
"Vamo repartí direito, uma pá mim ôtra pá tu"
É saudade da risada gostosa, alta e cantada com aquele sorriso que se estampava a alma de todo mundo por perto.
Saudade de ver aqueles dedinhos no umbigo, o outro braço levantado, o reboladinho e rodopios mais gostosos que o baião de Gonzagão já viu.
Saudade dos assobios fortes e finos, que pareciam sem fim.
A maestria da língua do "P" que me desafiava a capacidade de soletrar.
O cheiro da galinha na panela e o sabor do pirão que não se acha mais.
Saudade de ver aquela fé gigante em forma de gente, sorrindo até mesmo quando qualquer um choraria.
Aquela cabeleira tão branca e tão fofa e tão sábia e esperta. Perspicácia que somente a vida bem vivida pode dar.
A força de vontade que não passa, não cessa diante de obstáculos, a coragem que não tem medida.
Saudade dos braços curtinhos, batendo palmas na frente do corpo.
Daquele abraço baixinho, que se encaixava em mim e sempre brincava: "tá baxinha, hein! eu sou grandón!".
Aquela risada contida em som, mas que brilhava no rosto e nos olhos. E não tinha como: a gente ria junto.
Saudade de tudo o que se fazia errado, mas que era certo lá no fundo.
Das tardes de frutas, risadas, descobertas e invenções.
São tantas saudades em mim que nem sei se cabe mais.
Mas não deixo de viver e de aproveitar.
Não deixo de acumular essas memórias desses tempos tão bons.
Não ignoro as pessoas boas que me marcam, que fazem parte de mim de algum modo.
Não sei se vai caber mais saudade.
Mas lembranças, sempre caberão.
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